OS TEMPOS QUE CORREM. Miguel Vale de Almeida


3.10.07  

"É voltar à hora d'almoço"...

diz a moça da farmácia, perante a falta de um produto. Não só a pessoa é obviamente suposta cirandar ou marinar pelas proximidades todo o santo dia, como a "hora d'almoço" é uma espécie de longo período de pousio, um tempo sem tempo onde tudo é possível. Também certa imprensa inglesa com mentalidade colonial acha esta coisa do almoço muito estranha. Alguns jornais até juntaram a imagem de PJs em "longos almoços" - para mais "regados a vinho" - à da alegada violência policial sobre a acusada no "caso Joana". As duas imagens como que se equivalem, ambas dando conta de costumes bárbaros, a meio caminho da mutilação genital. Eu até nem gosto de longos almoços regados a vinho em dias de semana e odeio particularmente o "almoço de trabalho" ou o "vamos almoçar um dia destes" como desculpa para tratar de coisas sérias (gosto, e muito, de encontrar amigos para almoçar, desde que prometam que é só para a patela). Acontece, porém, que a imprensa inglesa - e eu - deveria fazer um pequenito esforço de compreensão cultural. Se o fizesse(mos) perceberiam(os) que por estas bandas é mesmo assim para muita gente - não só nos longos almoços se resolvem coisas que outros resolvem em reuniões e via mail, como as decisões ficam legitimadas pelo laço relacional que se cria, como, ainda, o vinho não é visto (nem sequer sentido) como apenas uma via mais para a bebedeira. Prometo que vou fazer um esforço para perceber o que a moça da farmácia quer dizer com "é voltar à hora d'almoço". Deve querer dizer que ela não quer afirmar "brutalmente" que não pode resolver o problema que lhe é colocado; deve querer dizer que devemos ter esperança na resolução dos problemas com a passagem do tempo; ou simplesmente não quer dizer nada.

mva | 10:47|
Comments:
Eu talvez seja uma daquelas pessoas que não se adapta,por muito que queira a essas generalidades abstratas entre a qual podemos enquadrar a referida "hora do almoço". Neste sentido devo de possuir algum resquicio de alguma cultura longinqua onde brilhe a pontualidade e a exactidão... ou então talvez seja um simples traço de carácter, a incerteza é daquelas coisas que me faz uma comichão insuportável e um incómodo ao nivel da pedra no sapato, facto que me incomoda profundamente. Actualmente dou comigo a descartar tudo o que seja espectativa, uma vez que nada é espectável neste país, tudo parece ser casual e miraculosamente bem sucedido quando o é, ou "tipicamente" mal sucedido devido á quantidade exagerada de acaso e fé que os portugueses poem na resolução das coisas.

De qualquer forma espero que tenha tido sorte lá na farmácia... é que muitas vezes é só por vergonha de dizer que não há e nem vai haver...entretanto , enquanto se espera, vai-se a outro lado e tudo se resolve a bem :)
 
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